quinta-feira, 9 de abril de 2009

ÚLTIMAS PALAVRAS...

Meu amigo era um daqueles iluminados, pessoa admirável e dono de exemplar modéstia: avesso a elogios.
Há alguns anos ele preparava e escrevia mais um dos seus famosos e contagiantes discursos, pois outra vez seria paraninfo, rotina que lhe conferia uma agenda usualmente lotada. Mas estava acostumado com isto.
Dias antes da solenidade conversei com alguns formandos e percebi neles muita expectativa à espera das palavras do padrinho, afinal era praxe o orador embutir importantes conteúdos nas suas alocuções, normalmente existenciais.
De fato, sua habilidade em reunir as palavras sempre surpreendia e lhe afamava, sem, contudo, descaracterizar a humildade.
À luz da nossa amizade tive o privilégio de ler antes deles!
Como de costume, todas as peças daquele e de outros textos mostravam-se reflexo da sua notável sensibilidade e inspiração. Todo o arrazoado, linha a linha, parecia combinar com cada ouvinte, daquela ou de outras turmas.
O êxito do discurso seria iminente, afinal, ninguém, exceto ele, sabia transmitir tanta bagagem, capaz de cativar um a um, assim como o conjunto. Enfim, as palavras certas para as pessoas certas, na hora certa e no lugar certo.
Chegou o dia da formatura! Tudo pronto, bonito, bem organizado e como ele gostava, sem pompa!
Autoridades, formandos, amigos e familiares repartindo o espaço da solenidade!
Cantado o Hino Nacional e passada a abertura protocolar, chegou o tão esperado momento de ouvir a oratória do ilustre paraninfo, à frente dos olhares brilhantes e da angustiante curiosidade.
O respeito levou a plateia a um silêncio sepulcral...
Após suas saudações à mesa e a todos, o exímio orador dirige-se à ansiosa turma, dizendo "... meus queridos afilhados, todos os dias têm suma importância, mas hoje é um dos mais significativos e importantes na vida de cada um de vo.........(pausa). Pálido ele cai, desfalece...
Um mal súbito lhe calou, transformando o silêncio de todos em espanto, cedendo lugar ao vozerio e à correria.
Passado o socorro e a condução ao Hospital, a colação de grau prosseguiu, desconsiderando a sua ausência e em meio à tristeza geral pelo infausto acontecimento. A certa altura, naquele clima triste, uma jovem percebeu, caída no chão, uma das folhas do discurso do paraninfo, parecendo-lhe ser a última página.
Dizia "...cada um de vocês receberá uma cópia fiel destas modestas palavras, para jamais esquecer desta ocasião."
Meu amigo desencarnou naquela noite...

Um comentário:

  1. Nossa,me arrepiei! Que emocionante!Imagino os formandos...Mas a mensagem ele deixou...Um abraço e tudo de bom,chica

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