À toa pelo pátio, a menina vê e junta um já inútil prendedor de roupa (grampo). Estava misturado à caliça, baganas e sucatas. Pelo aspecto, há muito disputava espaço com a sujeira e traquitanas.
No afã de brincar, trata de dar “vida” ao objeto, criando um personagem. Até “monologa” com ele – fruto saudável e típico da imaginação, criatividade e inocência infantis!
Surrada pelo tempo e sem valor, a peça só fazia parte do lixo de luxo, também esperando a próxima vinda natalina do executivo de restolhos (popular carroceiro) – comum na periferia e íntimo do “simpaticíssimo” dono da casa - colecionador e depositário de quinquilharias, ferro velho e outras porcarias!
Detalhes à parte, ela brinca, conversa, brinca, ri, brinca e se distrai à beça com o grampo. De tão entretida, não percebe a sorrateira chegada do pai. Mas diante da irritação e dos enfurecidos berros do nanico de coração rente à boca, a menina abandona a ideia e dá adeus ao “amiguinho prendedor”, cedendo lugar ao medo e ao choro soluçante, apesar de “acostumada” aos brados do tradicional tratamento raivoso, fétido a cinzeiro.
Irritado, o inveterado tabagista – obstinado e nervosinho – evacua seu paupérrimo verbo (português) sobre a frágil garotinha com menos de dez anos. Possesso e descontrolado, excede o limite e vocifera em “defesa” do suposto valor comercial daquele grampinho, como se fosse feito de ouro ou plutônio, mas desvalorizado pela filha, na suposta “opinião ultra abalizada” dele.
Exagerou e mentiu!
Vomitando o sórdido sermão o algoz não mediu esforços para humilhar sua vítima e catalisar a cena na base do grito, única arma da sua embófia. Só as tragadas no cigarrinho ou gigolô de pulmões interrompiam sua fúria.
Apesar de familiarizada com a estilosa educação a berro, a pequenina assustou-se, passando do lúdico ao alvo da ira do franzino defumado.
A logorréia à moda inquisição dispara e tortura com perguntinhas cínicas, cretinas e repetitivas. “O qui qui é issu aí? O qui qui é qui tu tá fazendo com issu aí?. Tu sabi o qui qui é issu aí? Sabe qui issu aí custa dinheru, sabia qui issu custa dinheru, custa dinheru... tu sabia, tu sabia qui issu custa dinheru?”.
E o cigarrinho do “coronel”, quanto custa? Nada? Ou seria troco de prendedor de roupa? Não custa dinheiro? Ou o cuera não sabe ou não tem noção sobre o que custa dinheiro? Ou isso é “poblema” seu? De fato, o custo do vício é “poblema” dele, ou melhor, problema, mas só até não conseguir subir sequer um degrau sem auxílio ou parecer uma égua afogada, ou ser vencido pelo próximo AVC. Eis a "questã" ou "cuestã", aliás, questão.
O apoucado metido a galo e sabichão deveria enfrentar alguém do tamanho dele, ou maior, em vez de lançar a prepotência machista sobre indefesos, sejam herdeiros ou não. Hierarquia existe sim, só que não funciona assim, mas com preparo e educação, indo do "com licença" ao "obrigado". Carente disto, age a grito mesmo... E ainda confunde EDUCAÇÃO com MEDO.
Você quereria um pai assim?